top of page

Areia

Foto do escritor: Izabella CristoIzabella Cristo

Empurro o carrinho de bebê no calçadão em direção à praia.

O mar está calmo. Não existem ondas rebeldes como na vida.

O calor do sol daquela tarde me causa certa agonia.

Ele olha para o horizonte, curioso a respeito do que vai se passar em seguida.

Travo o carrinho. Caminho até sua frente e retiro o cinto. Ele remexe as perninhas em alegria. É o gosto da liberdade à caminho.

Pego-o no colo e ele gruni um pouco. Não sabe falar ainda, seus dedos, o balançar da cabeça e o guturar são a sua forma de se comunicar com o mundo. Ele aponta para o mar. Eu obedeço, desço a escada bem devagar, tentando me equilibrar com o seu peso e manter o passo firme.

Estou de tênis, mas ele está descalço. Coloco-o de pé devagar. Seus pés tocam a areia. Percebo os dedinhos se moverem em curiosidade. Logo as mãos se abaixam e seguem o embalo. Ele as afunda naquele chão fofo. Retira as mãos, as afunda de novo. Abre e fecha. Pega um punhado e olha com atenção. Punhados e mais punhados são, então, jogados para todos os lados. Ele anda um pouco. Descobre em seguida que o mesmo chão onde pisa mais adiante é feito dos mesmos grãos. Suas pegadas pequeninas marcam o caminho de sua descoberta.

Ele vê uma pedra. Pequena pedra branca, quase em triângulo, do tamanho de uma palheta. Ele me olha e me entrega. Com os olhos pede que eu guarde o tesouro achado como um presente. Eu agradeço. Sou sua guarda, sua mochila, sua confiança. Obedeço. Ele esquece e anda, volta a caminhar, desta vez bem mais rápido. Eu corro para acompanhar, tentando lhe fazer alguma sombra. O sol queima minhas costas. Ele caminha com alegria, rumo aos pescadores que se organizavam aguns metros mais adiante.

O calçadão da orla acaba e do quintal de uma das casas surge um gato siamês, de coleira vermelha. Tinhoso, o gato passa por ele e vem se enrolar aos meus pés. Ele procura o gato. Faz um carinho. Tenta puxar o seu rabo. Os dois giram voltas ao redor das minhas pernas. Acho graça e já não sei mais em quem quero fazer cafuné.

O gato foge e sobe a escada rumo ao seu quintal de origem. Ele corre atrás do gato, quer subir as escadas, o tenta e faz. Eu deixo, baixo a guarda e o coração amoleço, mas vou logo atrás arrependida, e o retiro da propriedade alheia.

Ele chora. Lágrimas de revolta e empurrões dolorosos de me solta comprimem meu tórax. Ele não sabe o que é finitude. O remorso e a agonia preenchem o meu peito.

“As coisas acabam, por que acabam?”

“Por que aquilo não pode durar para sempre?” — gritam as lágrimas de um rosto mudo.

Também me pergunto, meu filho.

Por que certas coisas não podem durar para sempre…

0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Mais que 10 minutos

Menino, também não te prometo nada. Já tens mais que 10 minutos. Já tens mais que um ano de idade, mas não. Não te prometo nada. És...

Comments


bottom of page